"Parece que a
vida depende mais da dor do que do próprio prazer, por que então haveria de a natureza
dar tantos pontos sensíveis à dor e de grandeza sem igual em cada um deles?
Quem dera o desatino da dor fosse equivalente ao do prazer eu teria uma
felicidade surreal, sairia por ai à qualquer lugar a cantar, a gritar, a
recitar poesias. Me ao corpo e m’alma veria uma sensação latentemente
duradoura, eu correria aos brados lacrimejando; risos formariam orquestras,
prantos escorreriam rios, a paz em mim seria infinita e eu não seria mais
normal, sim, seria louco, louco porque não há motivos para ser feliz até que
encontre razões que se faça entender os motivos de tanta euforia, afinal, só
não é louco aquele que derrama prantos porque em um mundo acostumado a tristeza
só se entende aquele que sentir dor."
Ao longo de nossas vidas fazemos o que o homem veem
fazendo ao longo de sua espécie; correndo atrás de seus prazeres e fugindo de
suas dores. É inegável a diferença de quantidade de vezes que sentimos entre
sensações boas e sensações más. É mais do que evidente de que temos mais dores.
Mas mesmo o prazer sendo curto é possível que a felicidade provinda de sua
existência seja duradoura. Por outro lado, seria possível viver sem dor? Como
seria a nossa vida sem que sentíssemos sequer uma mordida de uma formiga ou uma
puxada de um fio de cabelo, será que nossa vida seria melhor? Bem, não acredito
que iriamos muito longe. Tenho certeza de que a dor não é só inerente à vida,
como já disseram alguns pensadores, mas que para a nossa sobrevivência ela é
tanto ou mais importante que a própria realização dos nossos desejos.
A dor é uma sensação pulsante, latejante; se
fossemos imortal é possível que uma dor crônica durante para sempre. Já o
prazer é uma sensação breve que perpetua à curto prazo. As delícias da vida
podem ter longevidade pela recordação causando uma sensação de bem-estar. O
prazer é passageiro enquanto o saber de tê-la sentido é uma felicidade eterna.
A questão da finitude de sensações boas e da
infinidade de sensações más não é uma infeliz falha da natureza, mas antes uma
defesa crucial para a continuidade da espécie. A inerência da dor aos seres é o
alerta insuportável que a natureza produziu para manter o animal-homem o mais
distante possível daquilo que lhe possa ameaçar a vida. É um ardil sem o qual
não sobreviveríamos. Não podemos sentir prazer ao dilacerar da nossa carne, de
mesmo modo à continuidade de sensações boas nos aprisionariam eternamente ao
ato do prazer. Se fosse o oposto, um casal pré-histórico permaneceria no ato
sexual mesmo com a presença de um predador, o prazer sexual continuaria sem fim
enquanto a fera os devoraria sem que a dor de cada mordida os incomodasse. Uma
pessoa colocaria o prazer da degustação sobre as dores estomacais, o excesso de
alimento ocasionaria em sufocamento, por isso que a dor tem que ser maior que o
prazer. Ela é um limitador dos nossos desejos. Um bípede poderia ignorar
qualquer perigo em prol da satisfação de seu prazer, o que ocasionaria na
extinção da espécie.
Nosso instinto de sobrevivência modelou a psique dos
nossos desejos e medos. É por isso que o alimento é a maior necessidade do
homem porque que diz respeito à sobrevivência do próprio indivíduo, depois veem
a necessidade do sexo que diz respeito à sobrevivência da espécie. O homem pode
passar dias sem uma mulher, mas não sem alimento. E para a infelicidade dos
machões, qualquer um seria capaz de trocar a mulher de seus sonhos por um prato
de comida, mesmo sabendo que depois de saciar a fome sentiria vontade de
vomitar o alimento. É claro que a possibilidade de escolher o alimento para
depois ter a oportunidade de copular pesaria na decisão, mas em todo caso o
alimento é o principal fator para a sobrevivência, é mais gritante que o sexo,
isso a maioria sabe, é claro. E também se trata da natureza das espécies e não
somente da do homem que tem a noção mais ampla do que interfere ou não na vida,
diferente da dos outros animais que se movem exclusivamente por seus instintos
entre os prazeres e suas dores dando preferência àquela que gritar mais alto.
O fato de não se acostumar a uma sensação boa não
está ligado a um infeliz erro das forças que nos criou, mas ao fato de que os
humanos necessitam adaptar-se ao ambiente para sua sobrevivência (como Darwin
provou). Se um homem colocar a mão numa panela com água quente ou fria, numa
temperatura suportável, em pouco tempo sua mão terá reagido de forma a tornar
nulo ou sofrer menos danos causados pela hostilidade da temperatura. O homem
tende a se acostumar a sensações não por ser egoísta, mas para manter a
sobrevivência da espécie diante de situações em que a adaptação é o requisito
que possibilita a manutenção da vida. Aquilo que não acostumamos nos mata; são
os nossos vícios. Se nos acostumássemos ao prazer de modo a deixar de ser uma
sensação boa não haveria tanta vontade em viver, ele deixaria de ser um prazer pelo fato de acostumarmos
a sensação pelo caráter da adaptação, se o prazer fosse infinito seria
um tipo de sensação que nunca é saciada, ela passaria a ser uma dor pela
impossibilidade de satisfazer-se.
O prazer é suportável, a dor não. Fato é que a dor
existe em quase todas as partes do corpo enquanto são poucos os pontos
sensíveis ao prazer. Um homem poderia ignorar um alarme na perna ou no peito
por muito tempo, não procuraria ajuda porque não o incomodaria tanto e forçaria
aquele membro sem notar o mal que estava causando a si mesmo, mas chegaria ao
dia em que o alarme deixaria de sinalizar que havia algo de errado com o corpo,
o problema na perna ou no coração o inutilizaria, então era tarde, ele perderia
a perna ou a própria vida. Por isso não nos acostumamos a uma dor, para que ela
fique a alertar que há algo de errado conosco. Infelizmente a nossa vida
depende mais da dor do que do prazer.
Muito do que nos faz correr atrás de um desejo
acontece inconscientemente pela força do nosso psiquismo animal (não recordo
agora quem disse isso) é algo que nos move sem que possamos controlar, é a
parte animal sobrepondo-se ao homem, nos obriga como fez aos nossos
antepassados, que se a vontade fosse maior que o desejo é possível que um
humanoide desistisse de uma fêmea no primeiro fracasso ou que deixasse de caçar
feras grandes e morresse de fome pelo próprio medo de enfrentar um adversário
mais forte.
A sábia natureza nos fez assim porque já sabia o
tamanho da nossa preguiça, do nosso comodismo, sabia das nossas medidas, da
nossa displicência perante aos perigos que colocam em risco a nossa vida. Sabe
que muitos preferem manter um vício a ter que preservar a boa saúde. Ela nos
modelou e as características que gostaríamos de possuir e outras que gostaríamos
que não fizesse parte de nós são prováveis que constituíssem espécies já
extintas.
Quem nunca sentiu uma dor de cabeça é porque cabeça
não tem. Para quem reclama da dor não quero que a agradeça, apenas seja
indiferente a ela de mesmo modo que ela é inerente à vida. Já dizia o poeta: “a
dor é inevitável, o sofrimento é opcional.”
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