sábado, 16 de novembro de 2013

A vida depende mais da dor que do prazer


"Parece que a vida depende mais da dor do que do próprio prazer, por que então haveria de a natureza dar tantos pontos sensíveis à dor e de grandeza sem igual em cada um deles? Quem dera o desatino da dor fosse equivalente ao do prazer eu teria uma felicidade surreal, sairia por ai à qualquer lugar a cantar, a gritar, a recitar poesias. Me ao corpo e m’alma veria uma sensação latentemente duradoura, eu correria aos brados lacrimejando; risos formariam orquestras, prantos escorreriam rios, a paz em mim seria infinita e eu não seria mais normal, sim, seria louco, louco porque não há motivos para ser feliz até que encontre razões que se faça entender os motivos de tanta euforia, afinal, só não é louco aquele que derrama prantos porque em um mundo acostumado a tristeza só se entende aquele que sentir dor."

Ao longo de nossas vidas fazemos o que o homem veem fazendo ao longo de sua espécie; correndo atrás de seus prazeres e fugindo de suas dores. É inegável a diferença de quantidade de vezes que sentimos entre sensações boas e sensações más. É mais do que evidente de que temos mais dores. Mas mesmo o prazer sendo curto é possível que a felicidade provinda de sua existência seja duradoura. Por outro lado, seria possível viver sem dor? Como seria a nossa vida sem que sentíssemos sequer uma mordida de uma formiga ou uma puxada de um fio de cabelo, será que nossa vida seria melhor? Bem, não acredito que iriamos muito longe. Tenho certeza de que a dor não é só inerente à vida, como já disseram alguns pensadores, mas que para a nossa sobrevivência ela é tanto ou mais importante que a própria realização dos nossos desejos.
A dor é uma sensação pulsante, latejante; se fossemos imortal é possível que uma dor crônica durante para sempre. Já o prazer é uma sensação breve que perpetua à curto prazo. As delícias da vida podem ter longevidade pela recordação causando uma sensação de bem-estar. O prazer é passageiro enquanto o saber de tê-la sentido é uma felicidade eterna.
A questão da finitude de sensações boas e da infinidade de sensações más não é uma infeliz falha da natureza, mas antes uma defesa crucial para a continuidade da espécie. A inerência da dor aos seres é o alerta insuportável que a natureza produziu para manter o animal-homem o mais distante possível daquilo que lhe possa ameaçar a vida. É um ardil sem o qual não sobreviveríamos. Não podemos sentir prazer ao dilacerar da nossa carne, de mesmo modo à continuidade de sensações boas nos aprisionariam eternamente ao ato do prazer. Se fosse o oposto, um casal pré-histórico permaneceria no ato sexual mesmo com a presença de um predador, o prazer sexual continuaria sem fim enquanto a fera os devoraria sem que a dor de cada mordida os incomodasse. Uma pessoa colocaria o prazer da degustação sobre as dores estomacais, o excesso de alimento ocasionaria em sufocamento, por isso que a dor tem que ser maior que o prazer. Ela é um limitador dos nossos desejos. Um bípede poderia ignorar qualquer perigo em prol da satisfação de seu prazer, o que ocasionaria na extinção da espécie.
Nosso instinto de sobrevivência modelou a psique dos nossos desejos e medos. É por isso que o alimento é a maior necessidade do homem porque que diz respeito à sobrevivência do próprio indivíduo, depois veem a necessidade do sexo que diz respeito à sobrevivência da espécie. O homem pode passar dias sem uma mulher, mas não sem alimento. E para a infelicidade dos machões, qualquer um seria capaz de trocar a mulher de seus sonhos por um prato de comida, mesmo sabendo que depois de saciar a fome sentiria vontade de vomitar o alimento. É claro que a possibilidade de escolher o alimento para depois ter a oportunidade de copular pesaria na decisão, mas em todo caso o alimento é o principal fator para a sobrevivência, é mais gritante que o sexo, isso a maioria sabe, é claro. E também se trata da natureza das espécies e não somente da do homem que tem a noção mais ampla do que interfere ou não na vida, diferente da dos outros animais que se movem exclusivamente por seus instintos entre os prazeres e suas dores dando preferência àquela que gritar mais alto.
O fato de não se acostumar a uma sensação boa não está ligado a um infeliz erro das forças que nos criou, mas ao fato de que os humanos necessitam adaptar-se ao ambiente para sua sobrevivência (como Darwin provou). Se um homem colocar a mão numa panela com água quente ou fria, numa temperatura suportável, em pouco tempo sua mão terá reagido de forma a tornar nulo ou sofrer menos danos causados pela hostilidade da temperatura. O homem tende a se acostumar a sensações não por ser egoísta, mas para manter a sobrevivência da espécie diante de situações em que a adaptação é o requisito que possibilita a manutenção da vida. Aquilo que não acostumamos nos mata; são os nossos vícios. Se nos acostumássemos ao prazer de modo a deixar de ser uma sensação boa não haveria tanta vontade em viver, ele deixaria de ser um prazer pelo fato de acostumarmos a sensação pelo caráter da adaptação, se o prazer fosse infinito seria um tipo de sensação que nunca é saciada, ela passaria a ser uma dor pela impossibilidade de satisfazer-se.
O prazer é suportável, a dor não. Fato é que a dor existe em quase todas as partes do corpo enquanto são poucos os pontos sensíveis ao prazer. Um homem poderia ignorar um alarme na perna ou no peito por muito tempo, não procuraria ajuda porque não o incomodaria tanto e forçaria aquele membro sem notar o mal que estava causando a si mesmo, mas chegaria ao dia em que o alarme deixaria de sinalizar que havia algo de errado com o corpo, o problema na perna ou no coração o inutilizaria, então era tarde, ele perderia a perna ou a própria vida. Por isso não nos acostumamos a uma dor, para que ela fique a alertar que há algo de errado conosco. Infelizmente a nossa vida depende mais da dor do que do prazer.
Muito do que nos faz correr atrás de um desejo acontece inconscientemente pela força do nosso psiquismo animal (não recordo agora quem disse isso) é algo que nos move sem que possamos controlar, é a parte animal sobrepondo-se ao homem, nos obriga como fez aos nossos antepassados, que se a vontade fosse maior que o desejo é possível que um humanoide desistisse de uma fêmea no primeiro fracasso ou que deixasse de caçar feras grandes e morresse de fome pelo próprio medo de enfrentar um adversário mais forte.
A sábia natureza nos fez assim porque já sabia o tamanho da nossa preguiça, do nosso comodismo, sabia das nossas medidas, da nossa displicência perante aos perigos que colocam em risco a nossa vida. Sabe que muitos preferem manter um vício a ter que preservar a boa saúde. Ela nos modelou e as características que gostaríamos de possuir e outras que gostaríamos que não fizesse parte de nós são prováveis que constituíssem espécies já extintas.
Quem nunca sentiu uma dor de cabeça é porque cabeça não tem. Para quem reclama da dor não quero que a agradeça, apenas seja indiferente a ela de mesmo modo que ela é inerente à vida. Já dizia o poeta: “a dor é inevitável, o sofrimento é opcional.”


Nenhum comentário:

Postar um comentário